Apresento um texto que originalmente foi escrito para o site "O Baterista", em 2011. Reflete sobre a profissão de músico.
ESTRATÉGIA
Sempre gostei de um jogo de
tabuleiro chamado WAR. Sim, aquele jogo de estratégia, no qual temos que
conquistar os continentes do mundo (Europa, Ásia...). Vence o participante que
primeiro conquistar os continentes solicitados na sua carta OBJETIVO.
O que isso tem a ver com bateria?
Nada, vamos mudar de assunto.
Brincadeira! É que percebi que
podemos tirar algumas lições dele para a nossa prática do instrumento... (Quem
não conhece não precisa se preocupar, pois vou falar das associações que fiz
sem me ater a regras muito específicas).
Como introdução ao assunto, destaco a palavra JOGO. Quando alguém
propõe: “Ei, que tal jogarmos...”, provavelmente a ideia será divertida. É
exatamente assim que me posiciono com relação ao meu instrumento, costumo dizer
que eu “jogo” bateria. Diverte, me faz aprender, aperfeiçoa a minha coordenação
motora, o meu raciocínio. Mas assim como no WAR (olha ele aí de novo), não
entro pra perder, mantenho o foco no meu objetivo, me esforçando para render o
meu melhor e alcançar as metas estabelecidas.
E Começa a Partida
Sem objetivo não temos como começar o jogo, então vamos supor que o
meu é conquistar a Ásia e a América do Sul. O que fazer? Vamos com tudo e com
força total rumo à conquista desses continentes? Não é tão simples assim. É
claro que essa é a minha meta, mas tenho que saber ser EQUILIBRADO e FLEXÍVEL, senão meus exércitos que estão em outros continentes ficarão
muito vulneráveis a ataques e assim, sem uma força em conjunto, viro presa
fácil e sou eliminado:
Análise 1 – planejando uma carreira como baterista profissional
Para conseguirmos alcançar
nossos objetivos de criar uma carreira musical sólida e duradoura, é importante
que consigamos reunir um conjunto equilibrado de habilidades. Bateristas que sabem
fazer mil truques com as baquetas, mas não conseguem extravasar a sua
musicalidade, transformando técnica em música; ou bateristas que querem ser
especialistas em jazz (um exemplo) e sendo assim só vão estudar jazz, estão em
desvantagem nesse “jogo”. No primeiro exemplo será difícil algum grupo ou
cantor querer trabalhar com alguém que imprime um groove desconfortável para a
banda, sem musicalidade. No segundo exemplo, a rigidez de postura pode levar
esse perfil de baterista a perder oportunidades que poderiam trazer justamente
a tão sonhada gig de jazz! Sabe aquela história: vai rolar um som com uma
cantora bem conceituada na área do samba e sabe quem vai ser o guitarrista? Um
grande nome do jazz que poderia curtir o teu som e oferecer trabalhos na área
que você mais gosta. Mas foi outro batera no lugar, pois você não sabe nada de
samba.
Concluindo, faltou uma visão
global do que é ser um baterista que vive de música a esses dois perfis, faltou-lhes
flexibilidade. É importante definir em qual terreno você quer se especializar,
se sente mais à vontade e quer se destacar, porém é importante ter um bom
conjunto de atributos, uma base sólida para a casa não cair um dia.
Muito bem, voltando ao jogo, me concentrei então em fortalecer os meus
exércitos antes de partir com tudo a um ataque mais radical. Rodada após rodada
fui acumulando o máximo de força possível para conquistar meu objetivo, mas aí
começaram a me atacar e estou prestes a perder o jogo... Pergunta clássica:
“Aonde foi que eu errei”? Faltou OUSADIA e COMPETIVIDADE:
Análise 2 – aplicando o conhecimento
De nada adianta eu ter a
discografia inteira do Billy Cobham se for ouvi-la somente quando estiver no
computador conversando com meus amigos pelo MSN. Ou então gastar horas baixando
dezenas de vídeo-aulas da internet pra depois ficar assistindo enquanto como pipoca.
Colecionar é hobby, demonstrar aos amigos um conhecimento musical apurado é
cult, mas... Vamos juntar nossos melhores discos, os melhores play-alongs,
vídeo-aulas e métodos e vamos à luta! Se não arregaçarmos as mangas e
encararmos o fato de que tocar bateria vai exigir esforço e dedicação de nossa
parte, nem adianta reclamar depois que ninguém te chama pra tocar em uma gig
legal. Não cabe nesse texto discutir o papel da música como uma forma de arte.
Ela é e ponto final. Mas não sejamos ingênuos, a música também está inserida no
contexto “mercado de trabalho”. Sendo assim, há e é importante que exista a
competição. Desde que entendida como uma manifestação saudável, a competição
nos dá motivação para ir mais longe, superar limites, ousar mais, para que
assim nos destaquemos ante a uma quantidade enorme de profissionais da nossa
área.
Já que só falar também é muito
fácil, vamos a um exemplo prático. Veja o DVD “Acústico MTV” da Marina Lima e
vejam quem está tocando bateria. Não é aquele cara da pipoca aí de cima não...
É o Cuca Teixeira. Agora vejam o DVD “Segundo” da Maria Rita. Será que
resolveram dar uma chance pro nosso amigo? Não, também é o Cuca Teixeira. Ah,
mas nosso amigo é um cara “malandro e persistente”, tentou uma audição pra
banda da Paula Lima. Será que a sorte colaborou agora? É só ver o DVD “Samba
Chic” da Paula pra tirar a dúvida... Lá está o Cuca novamente! Panelinha? Não
mesmo. Competência, estudo sério, compromisso com a profissão, isso sim que é
malandragem, e é isso sim que favorece a sorte.
No desenrolar da brincadeira estava até me restabelecendo no jogo, aí
um tio meu que estava por lá veio ver quem estava mais perto de conquistar o
objetivo e gentilmente me disse que se continuasse naquele caminho ia perder.
Agradecido, mudei a ESTRATÉGIA e 3 minutos depois fui eliminado; ele nem viu,
pois já estava de saída para ir ao shopping:
Análise 3 – seguindo o seu
próprio caminho
De maneira nenhuma estou
propondo que nos revoltemos contra o mundo e sigamos rumo ao desconhecido, sem
dar atenção a nenhuma opinião alheia. Mas é importante termos critérios antes
de acatar ou não um conselho. Por que não ouvir a opinião de um tio sobre um
problema amoroso? Por ser mais experiente, quem sabe ele não pode me ajudar e
esclarecer questões que sozinho não consegui enxergar... Agora se ele vier com
um papo de que música não dá futuro, que experiência ele tem nisso pra poder
afirmar, sendo engenheiro mecânico? Vamos supor que desanimo, paro com meus
planos e vou estudar advocacia, pois “é mais seguro”. Desgostoso da vida,
torno-me um profissional medíocre, infeliz e desse jeito, constantemente
desempregado ou ganhando mal, pulando de emprego em emprego por minha
incompetência na área. A culpa disso tudo é desse tio ou minha? Minha, claro,
pois por mais que tenha sido com boa intenção, o conselho dele não tinha base
nenhuma e mesmo assim EU resolvi ir atrás.
Não importa qual carreira a ser
seguida, temos que nos espelhar e buscar auxílio com profissionais que
conseguiram obter êxito na profissão em questão. Claro que ninguém dará uma
receita mágica para o sucesso (ela não existe), mas podemos obter orientações,
conselhos e dicas valiosas pra começarmos a trilhar nosso caminho. A partir
daí, trabalho, trabalho, trabalho. As dificuldades não são um privilégio da profissão
de músico, portanto se é isso que você quer, melhor que seja difícil porém
prazeroso, do que difícil e frustrante; as chances de darem certo são bem
maiores assim. Fugir de conselhos de pessoas pessimistas que se colocam no
papel de vítima também é uma boa ideia. Realmente, como disse Guimarães Rosa,
“viver é muito perigoso”, então nada de ficar reclamando sem fazer coisa alguma
pra melhorar, primeiro faça depois veja o que acontece.
Com certeza outras análises podem ser feitas em cima do WAR, o que
renderia muito mais assunto. As minhas foram essas três e representam a minha
opinião, agora está na hora de tocar, tanto pra mim quanto pra você!
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